Comércio e serviços dizem não ter condição de abandonar regime especial de trabalho

Comércio e serviços dizem não ter condição de abandonar regime especial de trabalho

Setor de comércio e serviços afirma não ter condições de abandonar o regime especial de trabalho autorizado durante a pandemia e válido até 31 de dezembro. Enquanto o governo estuda a prorrogação, empresários sugerem edição de MP 

A última semana de 2020 tem causado apreensão no mercado de trabalho. Apesar de empresários terem pedido a prorrogação dos acordos de redução salarial e suspensão do contrato de trabalho ao governo, os acordos chegam ao fim nesta quinta-feira. A partir de 1° de janeiro, os 9,8 milhões de trabalhadores que foram atingidos pela medida devem retornar ao emprego com a jornada e o salário integrais.

Os acordos foram autorizados em abril, como uma forma de evitar demissões em meio à pandemia de covid-19, e puderam ser renovados três vezes ao longo do ano. Em razão disso, foram utilizados por até oito meses. E, segundo a equipe econômica, salvaram quase 10 milhões de empregos. Porém, chegam ao fim, agora no dia 31, pois estão atrelados ao estado de calamidade pública, cuja vigência também se encerra neste fim de ano.

Empresários do setor de comércio e serviços, por sua vez, têm reivindicado a continuidade do programa no início de 2021. Eles alegam que ainda não há demanda suficiente para trabalhar com todo o quadro de pessoal e pagar o salário integral a todos os funcionários, pois a crise e as restrições impostas pela covid-19 continuam e chegaram até a crescer em algumas cidades do país nas últimas semanas por conta do recrudescimento da pandemia.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), por exemplo, calcula que 35% dos bares e restaurantes brasileiros fecharam na pandemia. A entidade informa, também, que 53% dos que voltaram a funcionar ainda têm prejuízos, pois estão trabalhando com capacidade reduzida. A União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs) também diz que a demanda não retornou ao nível pré-pandemia no comércio.

“A situação é muito preocupante, porque o movimento não retornou totalmente. Se tiver um novo lockdown nas principais cidades brasileiras e, ainda assim, tivermos que manter os funcionários, será impossível”, declarou o presidente da Unecs, George Pinheiro. “Não há dinheiro para pagar o salário todo nem para pagar a demissão, porque os acordos preveem estabilidade para os funcionários pelo mesmo período da redução salarial. Então, se não houver uma solução, há um grande risco de isso parar na Justiça”, alertou o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci.

Em estudo

Por conta disso, Pinheiro pediu a prorrogação dos acordos durante um almoço realizado neste mês com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Solmucci também conversou sobre o assunto com o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, que admitiu, na semana passada, que a prorrogação estava em estudo pela pasta e depois seria encaminhada para análise do presidente Jair Bolsonaro.

Havia uma expectativa, então, de que fosse construída uma solução para esta questão ainda neste ano. Ontem, no entanto, Guedes saiu de férias. Bolsonaro, por sua vez, viajou para passar o fim do ano no Guarujá. Com o impasse, aproxima-se a data para que trabalhadores voltem às suas atividades normais logo depois do réveillon e recebam 100% do salário de janeiro.

Procurada, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia reforçou que, com o fim do estado de calamidade pública no dia 31, fica vedada a extensão do programa para o ano de 2021. “Todos os acordos firmados têm data de início e de fim e as regras valem para este período. Desta forma, encerrado o prazo, os trabalhadores voltam para a situação que tinham antes do acordo”, informou a pasta.

“Há uma expectativa, mas, até agora, não houve prorrogação. Então, o prazo de vigência dos acordos se encerra no dia 31 e os trabalhadores devem voltar à jornada normal de trabalho”, orientou o advogado trabalhista Mourival Boaventura Ribeiro, sócio da Boaventura Ribeiro Advogados. “E a empresa deve voltar a pagar o salário integral. Senão, o trabalhador pode judicializar a questão em um prazo de até cinco anos”, acrescentou o advogado Lucas Santos, da Mendonça & Santos Advocacia.

Negociação paralela no Congresso

Segundo os especialistas, sem a prorrogação dos acordos, a empresa só pode manter a redução salarial por meio de um acordo coletivo, firmado com o sindicato trabalhista. O advogado Lucas Santos revela que acordos desse tipo já vêm sendo realizados em Brasília, sobretudo nos setores de clubes e eventos, que continuam com o funcionamento restrito por conta da pandemia.

“A Constituição é clara no sentido de que os trabalhadores devem ter o salário preservado, salvo expressa previsão em acordo coletivo. Então, a única forma de manter alguma coisa nesse sentido é conversando com o sindicato e abrindo as contas. Porém, é preciso deixar claro que, nesses acordos, não haverá mais a contrapartida do governo”, explicou o advogado, lembrando que, nos últimos oito meses, o governo pagou o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) como uma forma de compensação financeira a quem teve o salário reduzido ou o contrato suspenso.

Apesar dessa possibilidade, os empresários dizem que continuarão negociando com o governo a prorrogação dos acordos e já preveem reuniões com Guedes e Bianco no início do ano. Eles explicam que o governo pode editar uma medida provisória para recriar o programa em janeiro, inclusive com efeito retroativo ao início do mês.

Apesar de alguns integrantes do governo terem sinalizado que os acordos só poderiam ser estendidos caso o estado de calamidade pública fosse prorrogado, os empresários ainda garantem que é possível encontrar uma fonte de financiamento para o programa. Isso porque o Orçamento de 2021 ainda não foi votado, e nem todos os recursos destinados ao BEm por meio do Orçamento de Guerra foram usados — segundo o Ministério da Economia, dos R$ 51,5 bilhões reservados para o programa, R$ 34,2 bilhões foram empenhados e R$ 7,7 bilhões ficarão de restos a pagar para 2021.

Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Comércio, Serviço e Empreendedorismo, o deputado Efraim Filho (DEM-PB) está buscando apoio para o pleito da Unecs no Congresso e diz que recursos do seguro desemprego também poderiam ser realocados para o programa em 2021. “Se as pessoas forem demitidas, o governo vai ter que arcar com o seguro desemprego. Por isso, não se pode olhar esse programa como um custo, mas como um investimento. É um tema importante, que pode garantir a manutenção dos empregos e evitar a escalada dos números do desemprego nesse momento. A expectativa é de que ainda possa ser prorrogado”, afirmou o deputado, que também é líder do DEM na Câmara.

Fonte: CACB